Pesquisa inédita foi apresentada no Encontro Anual da American Chemical Society
Por: Lucia Beatriz Torres
Uma pesquisa inédita, que pode abrir caminho para transformar a eletricidade da atmosfera em uma fonte de energia alternativa no futuro, recebeu destaque no Encontro Anual da
American Chemical Society, em Boston, EUA. O evento, realizado no final do mês de agosto, colocou na berlinda a incrível descoberta de cientistas brasileiros que conseguiram produzir novas e importantes pistas para a solução de um enigma cientifico que já dura séculos: como a eletricidade é produzida e descarregada na atmosfera.
O estudo, de mais de uma década, liderado por Fernando Galembeck, professor do Instituto de Química da Unicamp e coordenador do
INOMAT, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Materiais Complexos Funcionais*, foi apresentado em uma das
Press Conferences e teve veiculação pela
Internet.
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O INOMAT é uma importante fonte de recursos para o meu laboratório, desde abril do ano passado. Os resultados atuais são uma etapa de um trabalho de mais de doze anos, ao longo dos quais usei recursos de várias fontes. Não fosse a "possibilidade de manter um trabalho contínuo, não teria chegado ao ponto atual” – ressaltou o Prof. Galembuck. Segundo ele, o financiamento público da pesquisa tem um papel fundamental, principalmente quando o Estudo vai contra um paradigma da ciência que se acreditava estar estabelecido desde o século XIX. Relatou, entretanto, que os recursos de fontes privadas também têm sido imprescindíveis para a manutenção do seu laboratório, por permitirem gastos necessários, porém, proibidos pelas normas que regem o uso de recursos públicos.
A eletroneutralidade faz parte do ideário transmitido nos cursos de Ciências, desde a escola elementar até a universidade. Este conceito considera que as gotas de água na atmosfera seriam eletricamente neutras e, permaneceriam assim até formarem nuvens de tempestades. O Prof. Fernando Galembeck e sua equipe descobriram, entretanto, que a água na atmosfera adquire, sim, uma carga elétrica, quando sai da situação de vapor, formando líquido ou depositando-se em superfícies.
Por meio de experimentos de laboratório, em que se faz o contato da água com as partículas e superfícies de vários materiais – inclusive metais – os cientistas confirmaram a ideia de que a umidade não é eletricamente neutra e pode conferir carga elétrica a diversas substâncias. Usaram minúsculas partículas de sílica e fosfato de alumínio mostrando que a sílica torna-se mais negativamente carregada na presença de alta umidade, enquanto o fosfato de alumínio ficou mais positivamente carregado. Alguns metais adquirem cargas positivas e outros tornam-se negativos, com taxas de aquisição de carga peculiares.
Fonte alternativa de energia
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Esta é uma evidência clara de que o vapor de água da atmosfera pode acumular cargas elétricas, quando se condensa ou se deposita em superfícies, e que é possível transferi-las para outros materiais que entrem em contato com ela" – explicou Galembeck. Da mesma forma que painéis solares transformam a luz do sol em energia os painéis hidroelétricos poderão coletar a eletricidade do ambiente, a mesma eletricidade que forma os relâmpagos –"e direcio.&aaãute;-la para perm)tir seu uso em!0equipamentos el&eecute?tricOs, seja îas residências ou intústrias. Ainda"não é possível saber, entretanuo, se isso sevá eficiente e econômico o bastante para competir com outros métodos de profuç&qtilde;o de energia.
* O pesquisador vislumbra a colocação desses novos painéis no topo de prédios em regiões onde ocorrem muitas tempestades. Dessa forma, eles drenariam a energia do ar, impedindo o acúmulo das cargas elétricas que são liberadas na forma de raios. "
Se nós soubermos como a eletricidade se acumula e se espalha na atmosfera, também poderemos evitar os danos e mortes e provocados pelos raios" – estimou o coordenador do INOMAT. Outra possibilidade é a colocação de painéis em quaisquer ambientes de alta umidade, nos quais metais tornam-se eletrizados.
O Prof. Fernando Galembeck, junto com seu grupo de trabalho do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Materiais Complexos Funcionais, já está testando metais e outros materiais para identificar aqueles com maior potencial de utilização na captura da eletricidade atmosférica. Uma pesquisa que pode ser, conseqüentemente, útil na prevenção dos raios no Brasil, um dos países com maior incidência deste fenômeno metereológico, no mundo.
Estado da arte atual da pesquisa
As perspectivas são promissoras, mas os pesquisadores só têm, neste momento, uma prova de conceito e um modelo científico que está se mostrando robusto. Não existe ainda um protótipo que produza eletricidade em escala útil. Segundo Galembeck, a velocidade da evolução cientifica, hoje, é muito acelerada e, por existir uma maior disponibilidade de novas ferramentas conceituais e experimentais, o progresso no caminho da higroeletricidade poderá ser rápido. “
Será necessário, evidentemente, muita criatividade para inventar dispositivos eficientes, contando com toda a nanotecnologia e ciência de materiais contemporâneos. Água atmosférica, que é o insumo crítico, o Brasil tem muita” – avaliou.
Para o pesquisador, é necessário aprofundar e testar experimentalmente o modelo científico, de maneira que ele possa ter um caráter ainda mais fortemente preditivo. Estão sendo delineados protótipos, cuja operação fornecerá dados suficientes para se fazer projeções que, por sua vez, permitam avaliar as possibilidades de a higroeletricidade – um fenômeno novo – transformar-se em uma fonte de energia alternativa.
Uma descoberta de impacto
Ao descobrir como a umidade na atmosfera torna-se eletricamente carregada, os cientistas brasileiros desvendaram o mistério de por quê, na época da Revolução Industrial, os trabalhadores que se aproximavam dos vapores das caldeiras eram, freqüentemente, atingidos por choques elétricos. Durante o século XIX, houve vários relatos experimentais associando a interface ar-água e os fenômenos eletrostáticos da chamada "eletricidade do vapor"; entretanto, até hoje ninguém havia conseguido descrever os processos envolvidos na formação e liberação de eletricidade a partir da água dispersa pela atmosfera.
Lord Kelvin, por exemplo, idealizou um equipamento, que chamou de condensador de gotas de água, para reproduzir experimentalmente o fenômeno. Nikola Tesla ficou famoso pelas suas tentativas, nem sempre bem-sucedidas, de capturar e utilizar essa eletricidade do ar. Elucidando os mecanismos do acúmulo e da dissipação das cargas elétricas na interface ar-água, os pesquisadores começaram a pavimentar um longo caminho na direção de uma fonte de energia alternativa para o futuro, a higroeletricidade.
Recentemente, a prestigiosa revista Langmuir, da
American Chemical Society, publicou
on line, o trabalho de Galembeck e sua equipe, "
Charge Partitioning at Gas-Solid Interfaces: Humidity Causes Electricity Buildup on Metals", no qual os pesquisadores confirmam que “
a atmosfera é um reservatório de cargas elétricas onde os íons OH- e H+ são transferidos para interfaces gás-sólido produzindo corrente elétrica".
Referência do artigo
“Charge Partitioning at Ga-Solid Interfaces: Humidity Causes Electricity Buildup on Metals”
Telma R. D. Ducati, Luís H. Simões, Fernando Galembeck
Langmuir 2010 vol.26(17), pg.13763–13766 DOI: 10.1021/la102494k
O trabalho pode ser baixado na íntegra do site:
http://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/la102494k
* Instituto filiado ao “I5+”, grupo formado por coordenadores de INCTs que se propõe a discutir aspectos de governança e cooperação entre os institutos.